18 outubro 2010

Pai e filho

Crónica de Miguel Góis in Record
18/10/2010
 
 
 
– Desliga o computador. Temos de ter uma conversa muito séria...
– Para quê tanto suspense? A stôra de Português avisou-me que ia falar contigo hoje.
– E então? O que é que tens a dizer em tua defesa?
– Nada.
– Nada? Portanto, o teu teste de Português está igualzinho ao teste do Vasco, que por sinal é o melhor aluno da turma, e tu não tens nenhuma explicação para isso.
– A stôra só veio com essa, porque estava à espera que eu tivesse outra nega para me chumbar.
– Eu vi os testes, meu menino. As respostas são textualmente as mesmas, palavra por palavra. É impossível não teres copiado. Sabes o que isto quer dizer? Dois meses sem semanada. DOIS MESES!
– Sim, mas como é que se prova?
– Desculpa?
– Como é que se prova que fui eu que copiei, e não o Vasco? Estás a entender a questão?
– Não estou a acreditar no que estou a ouvir. Quer dizer que não serviu para nada ter andado estes anos todos a gastar a minha saliva contigo sobre a importância de sermos honestos, sobre o valor da integridade e da...
– ... retidão moral. Eu lembro-me. Mas, ó pai, quando o Porto ganha o campeonato, não vamos para os Aliados festejar?
– O que é que isso tem a ver?
– Pai, eu tenho 11 anos: como todos os rapazes da minha idade, estou todos os dias no YouTube.
– No YouTube?
– No YouTube. Eu já não sou uma criança, pai. Sei como é que as coisas funcionam. E tu também sabes, há mais tempo do que eu. Desde que não sejamos apanhados, às vezes temos de dizer “toca a andar!”, temos de recorrer à “fruta de dormir” e ao “nosso juiz”, se queremos atingir os nossos objetivos. Queres que eu chumbe o ano? Queres ir outra vez à Liga Europa? Vá, que cara é essa? Anima-te, pai. Não me dás os parabéns pela nota a Português?
– Os parabéns? Bom, foi efetivamente uma boa surpresa.
– Obrigado, pai. Só mais uma coisa.
– O que é?
– Dava-me jeito que me desses a semanada agora...
– Vou buscar a carteira.

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